quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O CARIMBÓ DE SÃO BENEDITO DE SANTARÉM NOVO (PA)


O Carimbó está para o Norte assim como o forró está para o Nordeste. É música de festa, onde se dança até o dia amanhecer. Absoluto na região do litoral paraense, não há cidade onde não se encontre um desses conjuntos. Junção caprichosa do pé batido indígena com o rebolado africano, o carimbó é um dos gêneros tradicionais mais significativos do país, onde sem conflitos se reúnem o sagrado e o profano, devoção e diversão, tradição e contemporaneidade.

O Carimbó da Irmandade de São Benedito de Santarém Novo apresenta características particulares que o destacam dos outros grupos do estado. A devoção a São Benedito propõe uma abordagem mais complexa da organização social e cultural da festa, e confere à ela identidade única. A existência do barracão como espaço sagrado e profano de devoção e diversão, a cada noite redecorado pelo festeiro do dia, é lotado, noite após noite, por gente de todas as idades a despeito do calor e da rigidez das regras, onde famílias inteiras desfrutam juntas desse espaço de integração social e formação ética.



A Irmandade de São Benedito, fundada há quase duzentos anos no município, mantém uma tradição extremamente complexa que envolve onze dias ininterruptos de festa, incluindo novenas, ladainhas, alvoradas, levantamento, derrubada e varrição do mastro, queima de fogos, pilouro – o sorteio dos festeiros, trajes tradicionais e diversos cargos como juízes, festeiros, mordomos, padrinhos, fiscais e outros. Dança, música, culinária, artesanato e procedimentos rituais compõem um precioso patrimônio cultural preservado pela oralidade.

Afirmando o vigor desta tradição, quase uma centena de candidatos disputa a cada ano o cargo de festeiros de cada um dos onze dias da festa, se responsabilizando pela decoração do barracão, pela apresentação de abertura, pelos comes e bebes, pela recepção da alvorada, pela reza da ladainha e a organização dos músicos.

O conjunto musical Os Quentes da Madrugada, que conduz a festa, é liderado com capricho e rigor por mestres como Dico Boi, Ticó e Zé Pitanga, chamando a atenção pela excelência artística de seu repertório e a precisão de seus músicos e cantores. Formado exclusivamente por lavradores, pescadores e tiradores de caranguejo da própria comunidade, o conjunto utiliza somente instrumentos de percussão produzidos artesanalmente pelos mestres locais, tais como os grandes curimbós escavados em tronco de árvore e encuirados com couro de animais, o rufo (espécie de pequeno tambor de marcação), maracás feitos de cuieiras, o reque-reque feito de bambu, etc. É uma verdadeira música da floresta, orgânica, profundamente ecológica e integrada à natureza e ao modo de vida realmente sustentável dos caboclos da Amazônia.


Teaser do documentário sobre Os Quentes da Madrugada (Mutante Filmes/SP)

A ausência de instrumentos de sopro e cordas levou à criação de uma
sonoridade única, um baque forte e sincopado conduzido pela voz poderosa dos cantores em um ritmo pleno de harmonia e simplicidade. As cantigas são tão antigas quanto a Irmandade, apresentando uma poesia simples e bela, com letras revelando as conexões existentes entre o trabalho, a natureza, o amor, a fé, a memória histórica, as origens ancestrais...São preciosidades esculpidas pelo tempo e preservadas pela oralidade da comunidade.

Os trajes tradicionais de dança – paletó e gravata para os homens e blusa de manga e saia longa para as mulheres – são adereços que sugerem e propiciam movimentos coreográficos muito particulares e extremamente graciosos aos dançarinos, que impressionam pelo seu virtuosismo. Esses trajes rituais derivam do caráter sagrado do Carimbó da Irmandade, sendo mantidos com rigor por todos os irmãos. A ausência de instrumentos de sopro, a forma de baile com pausas entre as canções para descanso e troca dos pares são características próprias do Carimbó de São Benedito de Santarém Novo.



Mantida na invisibilidade por séculos como a maioria dos grupos tradicionais, no final da década de 1990 a Irmandade começou a atrair o interesse de músicos, pesquisadores e ativistas da cultura popular de várias regiões do país, impressionados pela beleza, força e originalidade de sua tradição de carimbó. Seu inusitado encontro com o grupo paulista A Barca, por exemplo, produziu vários frutos importantes para a comunidade, destacando-se o projeto de gravação do primeiro CD de registro do grupo “Os Quentes da Madrugada”, tradicional conjunto de carimbó da Irmandade, realizado em 2005 com o apoio do Programa Petrobrás Cultural, fato que chamou a atenção da mídia nacional e regional e contribuiu para um maior reconhecimento e visibilidade desta manifestação no cenário cultural.

Fortalecida por essas ações, a Irmandade inicia então um processo de articulação junto a outros grupos e comunidades carimbozeiras em prol da valorização do carimbó em nível local, regional e nacional, tornando-se a principal organizadora da Campanha Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro, uma iniciativa criada em 2006 no espaço do Festival de Carimbó de Santarém Novo e que tem como objetivo o reconhecimento desse importante bem cultural como patrimônio imaterial do Brasil junto ao IPHAN e o Ministério da Cultura. Com o início do processo oficial de registro do Carimbó pelo IPHAN em fevereiro de 2008, atualmente em andamento, o movimento liderada pela Irmandade conquistou visibilidade e respeito inéditos para o Carimbó e seus protagonistas, tendo se tornado uma rede de mestres, grupos e comunidades envolvendo cerca de 30 municípios do Pará, contando com o apoio de vários parceiros em nível regional e nacional.


Vídeo sobre a Campanha do Carimbó na Rede Brasil(Matapi Filmes)


Em setembro de 2008 a Irmandade conseguiu realizar o primeiro projeto de circulação nacional do Grupo Os Quentes da Madrugada, novamente com o patrocínio do Programa Petrobrás Cultural, que financiou a ida dos Quentes para São Paulo e Rio de Janeiro e proporcionou a esta comunidade a oportunidade de ampliar a difusão de seu patrimônio cultural para outras regiões do país. Na ocasião, o Carimbó de São Benedito também conseguiu articular seu encontro com outra tradição cultural importante para o Brasil, o Jongo do Tamandaré, na cidade de Garatinguetá(SP), onde os dois tambores irmãos puderam finalmente tocar juntos.



Outra conquista importante para a Irmandade foi o reconhecimento pelo Ministério da Cultura de sua centenária Festividade de Carimbó de São Benedito, selecionada pelo Prêmio Culturas Populares 2009 - Edição Mestra D. Isabel como uma das iniciativas culturais mais importantes para a preservação e valorização da diversidade cultural brasileira. Esse mesmo motivo também levou à premiação da Irmandade pelo Prêmio Culturas Populares “Mestre Verequete”, concedido pela SECULT/PA em dezembro de 2009, consolidando a Irmandade como uma das principais referências de cultura popular tradicional do Estado do Pará e da Amazônia.

Atualmente o carimbó em Santarém Novo é reconhecido e assumido como elemento basilar de nossa identidade cultural, tendo crescido sua atratividade sobre as crianças e os jovens do município que hoje buscam conhecer e vivenciar esta manifestação herdada de nossos ancestrais. O número crescente de novos grupos de carimbó, inclusive de crianças e mulheres, é sinal concreto e esperança de continuidade e renovação permanente do gênero no município. A valorização do conhecimento dos velhos mestres, a pesquisa, o registro e a difusão dos variados aspectos da tradição, da música e da dança do carimbó santareense, o nascimento de novos grupos e as experimentações musicais baseadas no ritmo tradicional constitui elementos que podemos identificar como um amplo e verdadeiro movimento cultural popular, cada vez mais forte e dinâmico.



Contatos
Isaac Loureiro (Irmandade de São Benedito)
Conj. Panorama XXI, QD 8, Casa 19, Mangueirão, CEP 66640-800, Belém/PA
Fones: (91) 8263-9738 ou (91) 8722-9502
Correio eletrônico: quintino_vive@yahoo.com.br
carimbopatrimonioculturalBR@gmail.com

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