(Publicada no Diário do Pará em 10.06.2011)
Depois de amargar o ostracismo, o mestre de carimbó Chico Braga se prepara para ganhar uma dupla homenagem. Aos 66 anos, o músico irá lançar seu primeiro CD, “Tribo de Maiandeua”. Gravado em maio deste ano, o trabalho, que está em fase de pós produção, fará parte da caixa “Casarão”, com previsão de estreia para novembro. O box, com patrocínio do programa de incentivo cultural Conexão Vivo, será composto por álbuns de Calibre, Juca Culatra e os Piranhas Negras, Strobo e Metaleiras da Amazônia, artistas que fazem parte do Casarão Cultural Floresta Sonora, coletivo de músicos com sede em Belém. O projeto ainda prevê um making of da gravação de “Tribo de Maiandeua” e um documentário sobre Chico Braga, ambos em fase de produção.
“A gente sempre admirou o Chico Braga. Eu o considero um dos nossos, mas, infelizmente, ele nunca foi levado a sério como músico”, diz Léo Chermont, produtor musical do CD e integrante do Casarão Cultural Floresta Sonora. “Já houve outras propostas de gravá-lo, mas o Chico sempre foi sacaneado. Ou ficou só na promessa ou plagiaram as músicas dele, sem pagar os devidos direitos. Ele é muito desconfiado em relação a isso”, diz.
Projeto resgata história do carimbó
Para convencer Chico Braga do contrário, o produtor se valeu dos três anos de convívio que estabeleceu se apresentando como músico na Ilha de Algodoal, local em que o carimbozeiro vive há 40 anos como pescador. “Demorou até amolecer o velho”, diz Léo.
Natural de Magalhães Barata, Francisco Paulo Monteiro Braga é compositor, músico e fabricante de instrumentos. Contemporâneo de grandes nomes do gênero como Pinduca, Lucindo e Verequete, o talento do músico sempre foi eclipsado pela sua fama de artista maldito. “Ele tem uma aura marginal. Ele nunca fez música pra tocar em festival, vender CD. Ele escolheu uma vida simples, quis viver em paz na ilha. É o que ele diz: ‘Sou um pescador, eu falo com a Princesa, vivo na pobreza. Quando tem uma cachaça, eu tomo. Mas estou muito bem, obrigado’”, descreve Léo Chermont.
Outra faceta do mestre é a de místico. Chico Braga diz receber visões de uma lenda local, a Princesa, que acredita encantar a ilha. “Há cerca de oito anos, Chico teve uma visão em que a Princesa alertava a respeito de uma inundação na ilha. Ele fez um carimbó a respeito e logo depois as ondas levaram as barracas da orla”, afirma Chermont.
Convivência
A gravação de “Tribo de Maiandeua” durou cinco dias, realizada em um estúdio móvel montado em Algodoal. Composto por 11 faixas, o CD irá reunir músicas consagradas do mestre como “Lago da Princesa” e “Chico Braga Mora na Praia”, além de algumas composições dos Nativos do Canal, banda base do trabalho.
“A gente não queria centralizar tudo na figura do Chico Braga. Percebemos que é muito mais a comunidade se agregando e fazendo carimbó. Por exemplo, enquanto estávamos gravando o CD faltou o cara pra tocar maracá. Quem assumiu o lugar dele foi um caseiro que morava ao lado do estúdio”, diz Chermont.
Maiandeua é o nome oficial da ilha, que caiu em desuso com a popularidade da sua vila mais populosa, Algodoal.
“O povo de lá constitui uma tribo no sentido espiritual da palavra. A ilha é um lugar encantado e isso devia ser mantido. O Chico Braga é o protagonista da obra, mas abrimos espaço em algumas faixas para essa galera mais nova porque, afinal de contas, são eles que vão dar continuidade a essa tradição”, diz o fotógrafo Renato Reis, diretor do documentário sobre o mestre de carimbó.
Distante 147 km da capital paraense, Algodoal vem sofrendo um veloz processo de modernização. Segundo o diretor, é através do carimbó que os nativos mantêm sua ligação com as tradições locais.
“O documentário segue a mesma premissa do CD. Queremos mostrar mais a relação desses músicos com a ilha, qual o papel do carimbó no cotidiano deles. Além disso, nosso intuito é resgatar parte da história do carimbó, já que o Chico Braga é uma das mais importantes referências do estilo. Mas o filme diz muito a respeito do que Algodoal vem passando, da exploração que os turistas fazem sem deixar nada em troca”, revela Renato Reis.
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